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A maternidade abordada em tom humorístico, no meio do Atlântico, por um casal em que a experiência neste mesmo assunto é nula. O objectivo é relativizar o difícil e complicado e rir, rir muito...
Quando me vieram ver já estava a amanhecer.
"Bom dia. Então como se sente?"
Eu estava bem, mas já começava a sentir novamente as contrações, nada que se compare com a dor de quando dei entrada, mas como o momento da expulsão já se encontrava próximo, achei por bem avisar que já começava a sentir o downstairs.
"Não tem problema, vamos já dar um reforço da epidural."
Entretanto, a enfermeira super mega querida, que apesar de não estar fisicamente bem disposta foi um amor connosco, veio ver a quantas andávamos nós.
"Muito bem, já estamos com 8 cm de dilatação, para um primeiro filho está a correr tudo muito bem."
Até poderia ser mentira, poderia estar a ter um trabalho de parto lento, estar nervosa etc etc, mas ao ouvir estas palavras uma pessoa relaxa, tranquiliza-se, não entra em stress, em estados de ansiedade desmesurados e facilita-lhes o trabalho.
Ainda por cima sentia que estava com sorte na equipa que me estava a atender. Via-se que tinham todos uma boa noite de sono em cima e um bom pequeno almoço na barriga.
Estavam bem dispostas, alegres e prestáveis e nem me lembro se tinham "suera" vestida ou não.
" Já conseguimos ver a cabecinha e lá para as oito e meia o João Maria já está cá fora."
Que bom, já estava quase.
De um momento para o outro o meu corpo começou a tremer desmesuradamente e não era frio porque estava com uns calores pelo corpo todo.
O pai que já tinha entrado em modo nervo miúdo dizia-me:
" Pára de tremer!!"
"Achas mesmo que neste momento tenho controlo em alguma
coisa?!?
Achas que eu ando a tremer só porque me apetece, à laia de peta??
Olha eu a tremer... Mentiraaaa, não estou. Oh eu a tremer outra vez. Ahaha, apanhado, não estou. Oh outra vez...brincadeirinha, não estou.
Não levas um beliscão aqui mesmo porque estou a reservar as minhas energias todas para o nascimento da criança, entendes??
Faz um esforço para não me enervares, vá lá. Pronto dá cá um beijinho, vá."
Estava na hora!!
Lá para as 10 da manhã já deveria conhecer o meu bébé e a minha vida nunca mais seria igual.
Lembro-me que quando saí de casa parei por breves segundos à porta e ao olhar para ela pensei que a próxima vez que entrasse em casa teria um bébé nos braços e uma vida totalmente nova.
Lá fomos nós para a sala de partos.
Para além dos tremores e da vontade de lançar o Gregory, estava bem, calma e a achar que o pior tinha passado, tudo porque as minhas amigas que tinham tido bébés um mês antes tinham dito que fizeram duas ou três forcinhas e pronto nasceram as crianças.
Comigo não haveria de ser muito diferente. Mas, foi.
Tudo a postos, duas enfermeiras, uma auxiliar, uma médica interna, um médico de óculos sentado, um pai com uma máquina fotográfica, uma go pro, um iPhone e uma carrada de nervos miudinhos. Esta é a imagem que tenho, não sei se é a verdadeira, mas é a que tenho.
A enfermeira parteira pediu para fazer força.
" Sim senhora."
Fiz uma, fiz duas, fiz três...
" Não querida, mais força."
Mais???
Mais uma, mais duas, mais três.
" Querida, assim não chega. Não sente vontade de fazer força?"
" Não. Não sinto nada..."
E eu a fazer foooooooooorça sem sentir naaaaaaaada. Mais fooooooooorça sem continuar a sentir naaaaaada. Até que comecei a ver umas luzes brancas, tipo flashes.
Oh, luzes, sanefas de natal, gingó bells gingó bells.
Espera, acho que não é suposto ver isso e muito menos sentir uns formigueiros na cabeça.
"Senhoooora acho que vou desmaiar."
" Querida, é normal é normal, vá faça força. Tem de ser agora ou nunca." Em tom de "isto não é brincadeira".
A parteira pediu à outra enfermeira que desse uma ajuda. Ora a ajuda era nada mais nada menos que utilizar o peso do seu corpo sobre a minha barriga fazendo com que a criança descesse.
Não é pêra doce não, aliás é grotesco e nao estava a conseguir consentir aquela força toda em cima de mim. Só lhe pedia que parasse.
A sensação que tive foi que de um momento para o outro as expressões de toda a gente que estava na sala tinham-se alterado para " hi, isso tá lindo aqui. Belo trabalho tá aqui feito."
Foi aqui que eu pensei "Ai, que é agora que me fino. Eu ou o rapaz ou os dois passamos desta para melhor."
E pronto, veio uma força não sei de onde e ele nasceu.
Finalmente conheci-o, finalmente!!
Qualquer expectativa, qualquer pensamento, desejo ou sonho foi imediatamente superado.
Tudo o que não senti na gravidez senti naquele momento, no momento em que o puseram em cima de mim.
Apaixonei-me mil vezes num segundo.
Senti uma empatia imediata, uma vontade de o abraçar e nunca mais o largar.
Não conseguia acreditar que ele tinha estado na minha barriga durante 9 meses.
Nasceu com uns olhos enormes, com umas olheiras enormes e ficou a olhar para mim muito atento e calmo. Parecia que estava a ser avaliada, que me estudava os traços. Nem sei se conseguem ver alguma coisa, mas ele ficou ali quieto de olho muito arregalado a fazer beicinho.
Que momento!!!
Mais tarde senti uma culpa enorme por não ter gostado se estar grávida.
Como é que era possível não gostar de ter uma coisa tão mega maravilhosa dentro de mim, como?
Sentia uma culpa avassaladora porque não havia lugar mais seguro no mundo do que a minha barriga.
Agora havia um mundo todo a absorvê-lo um mundo onde eu não iria conseguir protegê-lo a cem por cento.
Ele já não era meu, era do mundo.
Que culpa... Ainda hoje quando penso nisso vêm me as lágrimas aos olhos.
Parei de tremer mas não consegui evitar o Gregory... Ups, desculpem senhoras, mas acho que não estava muito bem disposta. Ai muito se passa para se ter um filho.
O pai?
Tinha a certeza que o pai estava do meu lado esquerdo no momento da expulsão. Mas, quando olhei já não estava.
Olhei para todos na sala e estavam todos com ar calmo e sereno o que me fez depreender que o homem tinha simplesmente desaparecido e não ter dado um piripaque que o fizesse cair inanimado no chão.
Eu só pensei, " ai que pelintra, o rapaz nem 5 min de vida tem e já me desapareceu. Num instante foi comprar tabaco para nunca mais voltar."
Em menos de um minuto apareceu-me ele com duas bolas vermelhas no lugar dos olhos.
"Então homem onde estavas?"
"Fui ali para aquele canto chorar. Isto é muita emoção, é surreal. Eu preciso de ir lá fora chorar o resto. Tenho muita coisa para por para fora."
Que pai fofo!!
Levaram o Little Pineapple para se vestir, pesar e medir.
Neste arraial todo em que estava anestesiada com tanta alegria, completamente alienada do que me rodeava, concentrada nele, naquela nica de gente, não dei conta que quem andava a terminar o serviço era a interna.
Quando "botei" sentido é que ouvi a parteira a dar indicações de faz assim, faz assado.
Levaram-me meia hora para quatro pontinhos, não senti rigorosamente nada. Nada.
Mas quando olhei para o relógio e vi o tempo a passar deduzi que me estivessem a fazer um tapete de arraiolos lá em baixo. Nem pensar que ia para exposição!!
De seguida oiço a auxiliar:
"Menina faltam os sapatinhos."
"Sapatinhos?"
"Sim, os sapatinhos para pôr por cima do fatinho, aqueles de lã. Não me diga que não trouxe os sapatinhos?!"
Sapatos, mas o rapaz não anda!! Tá lindo, o rapaz nem uma hora de vida tem e eu já ando a pôr o pé na argola.
" Ahhh os sapatos!! Ai com as pressas esqueci-me deles em casa."
Mentira...
E pronto lá estava eu com um filho nos braços sem sapatos, mas super feliz. Tinha tudo corrido bem e ele estava cheio de saúde.
Que alegria, que alegria!!!
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